Por José Renato Schmidt de Carvalho
Em 2018, 76% das emissões de gases do efeito estufa globais vieram da queima de combustíveis fósseis para produção de energia (ClimateWatch, 2022). Não faz muitos anos desde que o tema da crise climática se tornou mais debatido. Em 2021, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, cerca de 100 nações se dispuseram a diminuir as emissões de gases poluentes pela metade até 2030. A fim de salvar o setor de energia, além de tornar tecnologias já existentes mais acessíveis, novas formas de geração sustentável devem ser desenvolvidas.
Uma inovação promissora é a geração alternativa de energia por meio de plantas. Sistemas de produção de bioenergia atuais, como biodiesel e bioetanol, apresentam desvantagens: eles competem com produção de alimentos e fertilizantes, requerem um investimento inicial de energia e são menos sustentáveis do que nossa demanda de energia verde requer (Strik et al, 2008).
A proposta de uma “Célula de combustível Planta-microbial” (P-MFC) não apresenta as desvantagens acima, pois trabalha com os materiais de descarte da planta e das bactérias, sendo assim, integralmente sustentável.
A tecnologia
Quando pensamos na ideia de gerar energia de uma planta sem queimá-la, vem à mente um experimento de feiras de ciência onde um limão (batata, ou uma maçã) junto a uma moeda de cobre e um prego galvanizado funcionam como uma pilha. Não é o mesmo que ocorre neste caso. No experimento, gera-se uma corrente pela redução do cobre, lentamente consumindo os metais.
Aqui, a planta só cumpre a função de fornecer matéria orgânica a bactérias eletroquimicamente ativas (EAB) em suas raízes, que geram em seus processos metabólicos naturais, além de outros produtos, elétrons. Esses elétrons então são captados por um ânodo inserido no meio aquoso.
É fato que geradores microbiais sem o uso de plantas existem. São chamados de SMFCs. Mas as plantas estimulam e sustentam os microrganismos, de forma a aumentar em 18 vezes a geração de energia (Kabutey et al, 2019).
Até agora, foram experimentadas poucas espécies vegetais. Mas, dentre as testadas, duas de grande relevância foram: Glyceria maxima e Spartina anglica. Ambas são graminhas e se desenvolvem em regiões úmidas (alagadas) e salinas, sendo que, as características que definem uma boa espécie para a geração de energia são: não competirem com produção de alimentos, grande taxa de produção de biomassa, ocorrência global e tolerância à salinidade (Helder et al, 2010).
Uma vantagem do uso de plantas é que elas podem ser implementadas em áreas deterioradas. Águas poluídas servem como recipiente para a célula, o que em longo prazo pode ajudar no manejo dessas áreas.
Vale ressaltar que a coleta de energia destas células de combustível não afeta o desenvolvimento da planta. Dos compostos, são exsudados: açúcares e ácidos orgânicos; secretados: carboidratos poliméricos e enzimas; lisados: células mortas; gases: etileno e gás carbônico. O conjunto desses compostos liberados pelas raízes são chamados de rizodepósitos (em inglês: rhizodeposits) e funcionam como o substrato para geração da energia renovável no P-MFC (Strik et al, 2008).
Sua história
Em 1910, Michael Cressé Potter propôs a ideia do potencial de micróbios na geração de energia elétrica. De início não chamou muito a atenção, pois pesquisas subsequentes no assunto vieram só em 1931, B. Cohen, e depois em 1962, J. B. Davis e H. F. Yarbrough (R. Nitisoravut, 2017).
Em 2008, no artigo publicado no Volume 32 do International Journal Of Energy Research intitulado “Produção de energia verde com plantas vivas e bactérias numa célula de combustível” propôs-se, desenvolveu-se e provou-se o princípio de uma célula de combustível oriunda de micróbios de sedimentos vegetais. Esse artigo viria a estimular a pesquisa no tema.
No mercado, a empresa holandesa plant-e, fundada pelos pesquisadores Marjolein Helder e David Strik, já vem implementando a tecnologia há mais de 10 anos.
O P-MFC é uma tecnologia ainda em seu estágio inicial de desenvolvimento e valores energéticos de produção vieram crescendo ao longo dos anos. Em 2008, Strik et al atingiram o pico produtivo de 67 mW/m² (Glyceria maxima), em 2010, Helder et al alcançaram 222 mW/m² (Spartina anglica) e, em 2015, Wetser et al conquistaram 679 mW/m² (Spartina anglica).
Dentre as dificuldades da tecnologia, a principal é sua baixa capacidade de geração energética pela limitações no fornecimento de matéria orgânica da planta, velocidade da oxidação das bactérias e resistência interna do ânodo. Sua implementação também é dificultada, devido à intensa multidisciplinaridade do tema.
Apesar das dificuldades, os P-MFCs têm potencial para tornarem-se uma forma alternativa de geração de energia ao mesmo tempo que auxiliam com as questões ambientais.
Referências:
ClimateWatch, 2022. Histórico de emissões dos gases do efeito estufa, disponível em: https://www.climatewatchdata.org/ghg-emissions?breakBy=sector&chartType=percentage&end_year=2018&source=CAIT&start_year=1990
D. Strik et al, 2008. “Green electricity production with living plants and bacteria in a fuel cell”, disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/er.1397
M. Helder et al, 2010. “Concurrent bio-electricity and biomass production in three Plant-Microbial Fuel Cells using Spartina anglica, Arundinella anomala and Arundo donax”, disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960852409018227
Kabutey et al, 2019. “An overview of plant microbial fuel cells (PMFCs): Configurations and applications” disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1364032119303223
Rachnarin Nitisoravut & Roshan Regmi, 2017. “Plant microbial fuel cells: A promising biosystems engineering” disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1364032117303805
M. Helder et al, 2012. “Electricity production with living plants on a green roof: environmental performance of the plant-microbial fuel cell”, disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/bbb.1373
Wetser et al, 2015. “Electricity generation by a plant microbial fuel cell with an integrated oxygen reducing biocathode” disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0306261914010460
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